Plantar na Cidade: Um salve à Resistência das Mãezonas da Coletiva Hortelã.

Prazer, meu nome é Kelvis, tenho 16 anos e faço parte do Projeto Convergências nas Vargens. Quando comecei no projeto, fui apresentado a variados tipos de ambientes, todos muitos ricos em natureza, diversidade e marcados pelo empoderamento feminino, o que foi muito bom. Dentre tudo o que vivenciei, a Coletiva Hortelã e sua experiência de plantar na cidade chamou minha atenção de uma forma especial. A princípio, eu fiquei com um pé atrás, pois não sabia do que se tratava exatamente, mas, com a pesquisa, descobri uma nova perspectiva de mundo que foi muito enriquecedora.

A Coletiva Hortelã é uma organização de mulheres que atua na região das Vargens e arredores, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, desde 12 de agosto de 2016. De acordo com sua página no Facebook, “são mulheres em busca de proteger a terra nua e promover o alimento limpo nas cozinhas. São motivadas pelo desejo de tocar o chão com o coração e conhecer com as mãos cada expressão da vida minúscula do solo”. Foi a Coletiva que propôs o Projeto “Convergência Política nas Vargens: O Empoderamento de Mulheres e Jovens” ao edital SAAP 2017 da ONG FASE e, com isso, viabilizou recursos para que, com o apoio do C. E. Teófilo Moreira da Costa, pudéssemos, enquanto estudantes, nos aproximar da realidade de nosso território, a partir do protagonismo dessas mulheres organizadas.

No contexto do Projeto, a Coletiva havia ocupado uma área que não estava sendo utilizada no Sítio Arte da Terra, em Vargem Grande, para produzir uma “horta militante”. Com a parceria Eliane Velozo que, gentilmente, abriu as portas do sítio para os movimentos sociais, foi possível trabalhar em alguns canteiros e dar início a uma produção agroecológica com enfoque na cultura local e nos chamados “matos de comer”. Quando cheguei lá fiquei maravilhado. Era tanto verde, tantas plantas de diversas espécies e, como eu tenho o sonho de ser biólogo, isso acabou me motivando mais ainda.

Lá conheci a famosa DIOSCOREA BULBIFERA ou Cará-Moela, uma espécie de batata que é trepadeira, tem forma de moela e folhas que lembram um coração; a vinagreira, que é uma planta medicinal e serve para ajudar no tratamento de espasmos gastrointestinais, cólicas uterinas, má digestão, gastroenterite, pressão alta, prisão de ventre, falta de apetite, infecções da pele, varizes e hemorroidas; conheci mais sobre o urucum, uma flor cuja semente é usada pelos indígenas para pintar o corpo, pois dela se extrai uma tinta vermelha – além de corante natural, o urucum também serve para promover uma boa digestão, fortalecer ossos, diminuir febres, ajudar na cura de algumas doenças, ajudar na saúde dos olhos, eliminar dores de cabeça, reduzir náuseas, entre outros. Estes são apenas alguns exemplos, pois há várias outras espécies de plantas medicinais e comestíveis por lá. Também aprendi muito sobre como ter minha própria horta e como cuidar dela. Cada visita foi uma experiência única.

Quem nos recebeu e conduziu as visitas na “horta militante” foi uma “mãezona” que me acolheu de uma forma espetacular, com um carisma e uma receptividade sem igual. Era nada mais nada menos que Mara Bomfim que, com toda sua calma e tranquilidade, ensinou-me, entre outras coisas, a como conhecer um ambiente, entrar em contato com ele, como preparar a terra, como plantar e como colher. Quando falo "mãezona" é porque ela teve todo o cuidado, carinho, amor, atenção, calma e paciência para nos ensinar, como uma mãe também faz. E, pelos mesmos motivos, podemos considera-la uma "mãezona" para a terra, pois ela é muito cuidadosa, respeitosa e muito atenciosa quando vai mexer na terra É preciso saudar essas “mãezonas”, como Mara Bomfim, que, com coragem, ousam investir esse mundo de amor, que cuidam da terra e das pessoas, e que são invisibilizadas pela sociedade machista e patriarcal, violenta, racista e genocida. São essas mulheres que re-existem em seus cotidianos e que mantêm vivos esse conhecimento tradicional ancestral tão necessário para repensarmos a forma como estamos no mundo, como nos relacionamos com a natureza e uns com os outros.

Plantar na cidade é um ato de rebeldia porque estamos indo contra esse tipo de sistema que nos "obriga" a consumir produtos dos supermercados, repletos de veneno e transgenia. Quando consumimos nossos próprios produtos ou de nossos amigos agricultores, subvertemos essa lógica e fortalecemos a resistência nos campos, quilombos e casas que, não por acaso, em sua maioria, são administrados por mulheres que seguem firmes construindo e apontando para um outro modo de se viver no meio desse mar de contradições em que estamos metidos. Juntar essas pontas, estudantes e mulheres, foi muito potente. Afinal, “juventude que ousa lutar, constrói poder popular" e "sem feminismo, não há agroecologia". Só tenho a agradecer!