Carta aberta à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ)

A Teia de Solidariedade Zona Oeste reivindicou para o orçamento público estadual  de 2023  a inserção de compras de alimentos agroecológicos seguidos de doação para as mulheres organizadas em situação de grave insegurança alimentar. A demanda foi apresentada por Maria Eduarda, da Coletiva As Caboclas, em 7/11/2022 durante Audiência Pública sobre a destinação de recursos do Fecam para a execução do PEAPO.

 

Justificativa

 

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou em 2020 o consolidado da Pesquisa de Orçamentos Familiares – POF de 2017 a 2018, bem antes da pandemia, portanto, já se registrava que 6,5 milhões de crianças viviam com insegurança alimentar e indicava que “ é maior a vulnerabilidade à restrição alimentar nas casas onde há crianças ou adolescentes”. O mesmo inquérito demonstrava que 51,9% dos lares com grave restrição alimentar, fome, são chefiados por mulheres. No que diz respeito à raça, 58,1% dos domicílios com níveis altos de falta de comida regular eram chefiados por pessoas pretas ou pardas.

 

Histórico

 

A pandemia declarada em março de 2020, fez surgir na grande organização de mulheres da Zona Oeste do Rio de Janeiro, vários movimentos de doações de alimentos e de cestas básicas para fazer frente à vida. 

 

A Teia de Solidariedade da Zona Oeste surgiu em março de 2020 também para cumprir essa missão já realizada por vários outros movimentos da região. Como parte das mulheres que compõem a Teia vem do campo da agroecologia, consolidamos o que entendemos hoje como uma agroecologia interseccional que tem foco em mulheres negras da classe trabalhadora; a Teia passou a fazer compras de alimentos frescos direto da agricultura urbana e agricultura familiar, com destaque para compras do MST para doação direta às famílias. 

 

Essa campanha autônoma e autogestionada de compras e doações de alimentos frescos e agroecológicos gerou um benefício bastante considerável especialmente para a agricultura do maciço da Pedra Branca que, no primeiro momento da pandemia, ficou sem poder escoar a sua produção. 

 

Após a iniciativa original, várias parcerias se consolidaram e passaram a replicar essa prática entre as comunidades organizadas da Teia de Solidariedade. Nosso profundo agradecimento a ONG Criola, a ASPTA, Casa Fluminense, Rede Ecológica, aos editais da Fiocruz e a Emenda Parlamentar da Deputada Federal Taliria Petrone/PSOL que juntos e juntas proporcionaram a continuidade dessa prática de doação de alimentos frescos e agroecológicos para as mulheres negras chefes de família de parte da Zona Oeste do Rio. 

 

Entendemos que essa iniciativa não é única, não é inédita, não é uma particularidade da Teia e muito menos da Zona Oeste do Rio ou da cidade. Destacamos a experiência exitosa do Centro de Educação Multicultural (CEM) da Serra da Misericórdia que também esteve nessa luta para levar o alimento sem veneno para a favela. 

 

O exemplo do PAA

 

“O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), criado pelo art. 19 da Lei nº 10.696, de 02 de julho de 2003, possui duas finalidades básicas: promover o acesso à alimentação e incentivar a agricultura familiar. Para o alcance desses dois objetivos, o programa compra alimentos produzidos pela agricultura familiar, com dispensa de licitação, e os destina às pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional e àquelas atendidas pela rede socioassistencial, pelos equipamentos públicos de segurança alimentar e nutricional e pela rede pública e filantrópica de ensino”.

 

Compreendemos que o programa de aquisição de alimentos é um programa federal. Neste sentido, reivindicamos que o programa de aquisição de alimentos seja restabelecido nos primeiros dias do novo governo federal. Dentro do pacto federativo, entendemos que o governo estadual assim como o governo municipal do Rio de Janeiro devem se alinhar nessa mesma perspectiva adaptando respectivas institucionalidades e orçamentos públicos para sanar uma dívida histórica com as mulheres negras das periferias da cidade do Rio de Janeiro. 

 

Pautamos essas demandas sem perder de vista que a luta pela Soberania Alimentar é orientada também pela defesa do Bem Viver como um horizonte de sentido que nos coloca em um caminho de necessária transformação social e de ruptura com esse modelo predatório, extrativista, racista e desumano vigente que está nos levando para um colapso ambiental e civilizacional. É preciso construir um mundo no qual caibam outros mundos, sem fome ou nutricídio e que a dignidade humana, sobretudo das mulheres negras seja respeitada. Afinal, o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) é pleno e pragmático. Cumpra-se.

 

A mesma carta será encaminhada aos diferentes grupos de trabalho de transição ao governo Lula. Vamos acompanhar os resultados?

Rio, 07/11/2022