Agroecologia: Conexão Parati x Vargens

Tudo começou com uma viagem despretensiosa para 10 alunos do C. E. Teófilo Moreira da Costa para Parati em 2017. Eu só fui porque meus amigos iam. Não fazia ideia do que me esperava lá. Depois eu descobri que era o IV Encontro Estadual de Agroecologia do Rio de Janeiro com o tema “Agroecologia Cultivando Territórios do Bem Viver”. Não sabia o que tudo isso significava. No ano seguinte, em 2018, surgiu a oportunidade de participar do Projeto “Convergência Política nas Vargens: O Empoderamento de Mulheres e Jovens” que tinha como proposta retomar o debate da agroecologia e eu decidi participar. Aos poucos, fui percebendo as conexões entre Parati e Vargens e a importância de se falar sobre esse tema.

Quando cheguei a Parati para o Encontro, vi um monte de pessoas alegres, uma roda tocando vários instrumentos e umas mulheres dançando descalças com uma felicidade contagiante. Isso já foi um primeiro choque. O que significava tudo aquilo? Também havia a feira de produtoras e produtores onde eram expostos e vendidos diferentes tipos de plantas, frutos e “matos de comer”. Tudo acontecia em meio a uma cidade histórica. Fizemos um "passeio" por aquelas ruas de pedras e pude conhecer um pouco mais sobre a história dos povos escravizados que até hoje seguem na resistência (já que o fim da escravidão não significou o fim do racismo).

Logo depois, a convite da nossa professora de sociologia, Mariana Bruce, ingressei no Projeto Convergência que, como afirmei, tinha como tema a agroecologia (atrelado à luta contra o machismo e o racismo). Com essa experiência, aprendi muito com a luta dos agricultores e das agricultoras, aprendi sobre soberania alimentar, já que com pouquíssimo espaço, qualquer um ou uma pode fazer uma grande horta. Descobri que tem muito mais coisas nas Vargens do que imaginava. No maciço da Pedra Branca (e nos quintais produtivos do entorno) se produz banana, aipim, folhas para chá, folhas para fazer fumo, diversos “matos de comer”. Em relação a estes últimos, um dos que mais me chamou a atenção foi a <em>ora pro nobis</em> que quer dizer “orai por nós”. Foi muito interessante experimentá-la porque nunca tinha comido antes uma planta assim, colhida do quintal – no caso, foi no quintal da Giovana Bertí que conduziu uma oficina de culinária. É uma planta, uma folha. Só lavamos, colocamos um pouco de sal e foi isso. Não é todos os dias que conhecemos plantas que podemos comer, ainda mais com um gostinho tipo o do alface. Essa planta é pura proteína e pode substituir até uma carne de um prato. Por isso, também é conhecida como a “carne dos pobres”. Ela cresce como um arbusto, sem necessitar de muitos cuidados.

O Quilombo Cafundá Astrogilda que habita o maciço da Pedra Branca foi outra grande descoberta. É uma linda escola. Participei da “Ação Griô” com Sandro Santo e Isabela Martins de Oliveira e, através deles, pude ouvir um pouco mais sobre as histórias dos povos escravizados, da comunidade quilombola, dos caminhos que existem por dentro da floresta que ligam Campo Grande, Bangu, Jacarepaguá, Realengo, entendi o significado de uma bacia hidrográfica (uma enorme caixa d’água embaixo da terra que recebe as águas que descem dos picos das montanhas), além de conhecer uma riqueza imensa de frutos, folhas e pessoas. Ou seja, tanto em Paraty quanto em Vargens a história dos povos escravizados continua viva: por um lado, não podemos esquecer como eles sofreram, apanharam, morreram; mas, por outro, é preciso destacar que sempre houve resistência. E desde aqueles tempos até hoje, através de seus descendentes, a resistência continua. E é essa resistência que ressignifica todo o território no qual hoje vivem e nos geram todos esses aprendizados. Eu consegui ver a Pedra Branca com outros olhos, reconheci que tudo ali tem história, tem os povos que vivem na floresta, que são os verdadeiros donos de tudo aquilo, responsáveis por preservar a floresta e produzir alimentos limpos e sem veneno. Tudo lá é dividido, não se trata apenas da casa que você mora, mas os caminhos, as águas, a mata, tudo é cuidado por todos, tudo é dividido entre todos. Nesse dia, nós subimos até a casa do Sandro, onde tem o Museu do Quilombo e em cima de uma pedra, tem uma visão incrível que define exatamente o significado de Vargens: “caminho para o mar”. Lá do alto da montanha, pudemos ver o mar. Foi lindo.

Ao final de toda essa experiência, posso dizer que tenho outra cabeça, bem mais abrangente sobre os problemas que nos afligem enquanto sociedade e sobre as possibilidades de superação. A agroecologia é de fundamental importância porque nos ensina o respeito ao próximo, independente de gênero ou cor, o respeito à natureza, nos ensina a valorizar as coisas minúsculas e simples que temos, desde uma garrafa pet que pode ser usada para plantar até um somente, tudo pode ser transformado. Por último, acho que agroecologia significa também lutarmos pelos nossos direitos, principalmente a partir da nossa condição de mulheres, pois somos muito diminuídas da sociedade e até desprezadas por alguns, mas juntas somos mais fortes e vamos mudar o mundo. Como diz o grito, “sem feminismo, não há agroecologia”!

Só tenho a agradecer por todos esses aprendizados.