PAISAGEM DE VARGEM GRANDE
Percebi, então, que algumas nuvens,
que há muito não apareciam desta forma por aqui,
resolveram descer lentamente e beijar
a longa montanha,
preguiçosamente....
Deitaram-se, então, acariciando a terra e as vegetações.
Tudo se cobriu de uma úmida compaixão.
Folhinhas e flores brilhavam com uma beleza tamanha
que o brilho se assemelhava ao dos olhos daqueles humanos,
húmus da terra, quando pela primeira vez,
assustados,
adentraram este paraíso,
cobertos de razão, mas acusados
de rebeldia,
e encontraram tudo aquilo que era preciso
para que pudessem retornar a fazer parte
daquilo que já foram um dia:
criaturas da natureza, sem grilhões.
Do alto da montanha
os descendentes dos quilombolas,
na sua sapiência infinita,
nata de uma paciência bendita,
energizavam-se com as águas
e agradeciam...
Não agradeciam pela liberdade,
pois sabem que sempre foram livres, porque um humano
pode prender o corpo de um outro humano,
um humano pode até obrigar outro humano
a fazer o que não quer,
mas um humano não pode escravizar a alma de outro humano...
Agradeciam à Natureza Senhora
o privilégio de partilhar
da reciprocidade da preservação,
conquistada com cada gota de sangue
derramada outrora.
Agradeciam à Natureza Senhora
pela renovação da sobrevivência.
E se do alto da montanha a irracional ganância
retirar os últimos humanos
que ainda sabem que somos uma peça
desta beleza infinita,
vão-se também as árvores o todos os demais animais.
E vida bela como a do nosso belo planeta,
por faltar ar e água puros, não teremos
jamais.